José Martins Carvalho. Eurogeólogo. Professor de Hidrogeologia e Captações no Departamento da Engenharia Geotécnica do Instituto Superior de Engenharia do Porto (Portugal)
viernes, 1 de marzo de 2013
Planalto da Humpata, Sul de Angola: águas subterrâneas e vida
José Martins Carvalho. Eurogeólogo. Professor de Hidrogeologia e Captações no Departamento da Engenharia Geotécnica do Instituto Superior de Engenharia do Porto (Portugal)
Angola é um imenso país banhado pelo Atlântico Sul com
uma extensa costa de mais de 1300 kms com praias magníficas, praticamente
desconhecidas do turista. Para além da costa o país tem um desenvolvimento em
direcção ao interior africano de cerca de 1000 kms. Angola é um país de fortes
contrastes desde a floresta tropical a norte, até às vastidões desérticas do
Kalaari a Sul e Este.
Até 1975 Angola fazia parte do império colonial
português, que então se estendia até regiões tão distantes e improváveis como
Macau, no Sul da China e Timor, a Oeste da Austrália. Os sinais da presença
portuguesa são ainda bem visíveis no património construído das principais
cidades, com um toque característico que, nalguns recantos nos fazem lembrar
cidades como Braga ou Setúbal...
O mais emocionante será, porventura, o
linguarejar comum nos maiores núcleos urbanos ser em Português com um toque
doce, suave, quase abrasileirado que apetece ouvir.
Para o hidrogeólogo português de trabalho em Angola
nada melhor que o Planalto da Humpata…
Em primeiro lugar o espanto: sequência metassedimentar
do grupo da Chela de mais de 600 m, com 400 m de materiais predominantemente
quartzíticos de idade precambrica (1,5 mil milhões de anos) estão praticamente
horizontais apoiadas discordantemente sobre rochas graníticas subjacentes.
Tanta horizontalidade assusta, habituados como estamos aqui na Peninsula
Ibérica a trabalhar sobre rochas do mesmo tipo e da mesma idade geológica, ou
mais novas, mas inclinadas, verticalizadas, por vezes com os flancos invertidos,
fruto da tectónica agressiva que as afectaram.
A escarpa da Serra da Leba, alta de mais de 1000 m,
cruzada por uma estrada de montanha construida no inicio dos anos 70 do seculo
passado é de arrepiar, de uma beleza selvagem, particularmente na época das
chuvas quando dezenas de cascatas escoam metros cúbicos e metros cúbicos de
água para as linhas de agua que se vão perder na lonjura em direção ao Oceano
Atlântico no Namibe.
Ao logo da estrada, na planície costeira, quase um
prédeserto com imbondeiros magníficos, nos riachos pujantes, frutas tropicais
são postas ao dispor dos passantes a preços convidativos, à custa de alguma
discussão.
No planalto da Humpata, cerca da cota 2000 m, coabitam
as recordações dos colonos boers e dos portugueses predominantemente oriundos
da ilha da Madeira, ambas as comunidades chegando ao local nos anos 80 do sec
XIX na época do mapa cor-de-rosa.
Particularmente impressivos são os cemitérios
boers, com os seus túmulos em forma de barrica, alguns deles periodicamente
visitados pelos seus descendentes que sobem desde a Namibia. Contraste forte
com o dos Portugueses, praticamente ao abandono.
O planalto foi muito procurado
para a fixação de europeus dado o clima permitir a existência simultânea de
culturas tropicais e de culturas temperadas e a abundância de água. Da presença
portuguesa restam ainda igrejinhas alvas a animar a paisagem.
De maior dimensão
é a Missão do Jau hoje quase ao abandono, onde durante muitas dezenas de anos
os padres católicos trabalharam para levar a mensagem de Cristo.
Actualmente a
missão é muito procurada por cidadãos descendentes de antigos naturais de
Angola que agora pretendem adquirir a nacionalidade angolana. O motivo é
prosaico: é nos arquivos da missão que se situam os registos minuciosamente conservados
dos antigos residentes. Em cada ficha, logo à cabeça, era assinalada a raça do
recém-nascido: branco, preto ou misto. Existem filhos de pai incógnito e filhos
de mãe incógnita: “malhas que o Império tece” pormenores curiosos a merecer
adequado estudo sociológico para melhor perceber o que foi a penetração branca
no território, os seus avatares e a influência na sociedade angolana em geral.
Entre a Humpata e o Jau, acontece o insólito: em pleno
mato, vindas das nada, duas mulheres mumuilas deixam-se fotografar ao lado
deste vosso escriba: ao fundo uma jovem de seios desnudos (mas sem
“maquillage”) observa a cena. Os mumuilas encontram na criação de gado a sua
forma de subsistência.
Alegadamente tomam banho com leite de vaca e esterco e
quando veem à cidade mais próxima, no caso ao Lubango, no sopé do Planalto da
Humpata, a sua presença não passa despercebida.
Ai é possível na zona nobre da
cidade, plena de edifícios coloniais bem conservados, apreciar a esbelteza das
jovens mumuilas ostentando os seus ornamentos e a sua beleza e perfume
selvagens. As casadas usam um colar de cordas de
corres berrantes, enquanto as solteiras adoptam cores mais discretas.
Interessante é a cascata da antiga estação agrícola da
Humpata em cuja escarpa, e por traz da queda de água, os antigos colonos
portugueses, em buracos estrategicamente colocados na rocha quartzítica,
colocavam as suas salgadeiras para cura do tradicional presunto e outras carnes
de porco.
A cidade do Lubango (Sá da Bandeira dos últimos anos
da presença colonial) na base do Planalto da Humpata à cota 1750 m, é uma cidade
ampla, bem traçada em que se destaca a fealdade da catedral de betão e a beleza
das acácias rubras e dos jacarandás.
Não foi afectada pela luta de libertação
nacional e pouco pela guerra civil subsequente, embora, situada no corredor
estratégico da Namibia para o planalto central angolano. Viu, por isso, passar
o êxodo dramático dos colonos em fuga para o Sul em 1975, a passagem do
exército Sul Africano em 1981 ao assalto de Luanda e a presença do corpo
expedicionário cubano, de apoio ao MPLA, por vários anos.
Desse passado sobrou uma “baixa” pujante de actividade
replicando a do passado colonial, o casino, a capela da Srª do Monte, o hotel
da Huila, o antigo liceu (hoje universidade), o clube Ferroviário e a avenida
triunfal que da Estação de Caminhos-de-ferro conduzia ao centro da cidade.
Atualmente surgiram novos hotéis com todo o conforto moderno, incluindo wifi e
uma cintura de casas modestas com aquele toque de negritude que apimenta as coisas
insípidas. Do conjunto sobressai um urbanismo de matriz portuguesa preenchido
por uma forte alma africana. No cimo, a imagem do Cristo-Rei abraça a cidade.
A igreja
católica continua a ter forte, mas discreta presença na região. Visitei o Padre
Vitorino Sawandi nas suas mais que modestas instalações no seminário do
Lubango, nos arredores do Lubango. O padre Vitorino permaneceu na Paróquia de
Rio de Mouro nos arredores de Lisboa e em todos deixou saudades pelo seu
exemplo, simplicidade e capacidade de integração na comunidade local. Agora, na
sua terra, no intervalo de duas aulas aos seus alunos de olhar calmo, recebeu
das minhas mãos uma garrafa de vinho do Porto enviada pelo meu tio Manuel, seu
ex paroquiano. Bom trabalho, Padre Vitorino.
Locais a não perder na região são a Tundavala (escarpa
gigantesca de 1000 m de altitude, marcando o contacto com as rochas
predominantemente graníticas sobre que assentam as formações do Grupo Chela) da
qual se divisa ao longe a Bibala, a sul do Lubango, povoação criada pela
passagem do Caminho de Ferro de Moçâmedes em 1912, então com o nome de Vila
Arriaga.
Nas proximidades, as Termas da Montipa (duas horas de
jipe a partir do Lubango, pela Bibala, coordenadas WGS84 S14º 39, 877 e E13º
15,433) são atualmente um local selvagem a merecer melhor sorte. Cabras e
porcos deambulam pelas instalações semiabandonadas.
Mas o recurso está lá: água
sulfúrea, com forte cheiro a ovos podres, emergindo de rochas granitoides, com
pH de 8,12, condutividade elétrica de 800,1 µS/cm, TDS de 2,27 g/l, Tª de
48,8ºC e temperatura do ar de 33ºC em 05 de Outubro de 2012. O caudal
aproximado é de 1l/s. No local eram visíveis trabalhos e arranjo da piscina
exterior: é possível que os clientes (seguramente amantes do turismo selvagem)
apareçam no fim-de-semana…
Voltando às águas subterrâneas e ao trabalho que nos
levou à Humpata, afinal os quartzitos do grupo da Chela não são assim tão
diferentes dos outros quartzitos que encontramos na nossa vida, noutros lugares
do mundo. O que nos marca é o gigantismo do afloramento, a sua notável
espessura e a horizontalidade das camadas. À escala regional parece haver
apreciável continuidade lateral das camadas produtivas embora com controlo
tectónico criando blocos hidrogeológicos denunciados por mudanças bruscas da
superfície piezométrica.
À escala local a fracturação controla a circulação,
assim como a presença de algumas estruturas filoneanas de rocha básica.
As águas são hipossalinas (pH=5,6, condutividade
eléctrica de 15,4 µS/cm e temperatura de 20,1ºC) e os caudais na pesquisa
realizada com uma sonda de martelo de fundo de furo (“camião escavadoura de
água” Botec Rdds da Sela Grup) durante a nossa permanência são interessantes:
aos 125 m registava-se um caudal artesiano de 4 l/s, com um caudal de perfuração
impossível de controlar com os meios em obra, talvez da ordem de 30 a 40 l/s. A
fraca interacção água/rocha determinada pelo facto da formação ser um quartzito
puríssimo, dita a baixa mineralização da água que lhe confere um sabor
aveludado, próprio do alto teor relativo em sílica.
No Instituto Superior Politécnico da Tundavala, a
convite do Eng Evandro André, professor naquela escola de ensino superior, no
dia 3 de outubro de 2012 proferi a conferência “Avaliação de recursos hidricos
subterrâneos em rochas cristalinas”. A sala era excelente e a assistência
interessada: apetece-me voltar mais vezes para contar as minhas aventuras
hidrogeológicas.
Graças ao Eng Orlando Ferrão, ao Eng João Saraiva, ao
Eng Evandro André e ao Sr Domingos Correia (encarregado geral de sondagens da
Sela Grup, tecnicamente formado na Brigada de Sondagens da Direcção Geral de
Geologia e Minas, onde pontificava o meu amigo Eng Manuel Areias) os trabalhos
de captação estão bem encaminhados e em breve veremos, em toda a Angola e na Namíbia,
a boa água do Tchipeio devidamente engarrafada. Tudo, porque o Sr António
Bicho, presidente da LM-Grupo decidiu investir na Humpata e nas suas
potencialidades.
Até sempre Planalto da Humpata. Até sempre Lubango.
Sacavem, 19 de Fevereiro de 2013.
5 comentarios:
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Prof. Martins Carvalho: Bravo !
ResponderEliminarForte abraço do,
Helder I. Chaminé
Caro Hélder:
Eliminaragradeço-te o incentivo
abraço
jmcarvalho
Caro Professor. Mais uma vez um grande obrigado pela lição de hidrogeologia e de vida. Um forte abraço de Angola.
ResponderEliminarNunes da Silva
espero muito ve-lo em Angola na próxima viagem.
ResponderEliminarGrande abraço
jmc
Caro Professor Martins de Carvalho:
ResponderEliminarAo fazer uma pesquisa na internet sobre locais de interesse geológico em Angola (País que gostaria muito de visitar um dia...), e não é que encontrei este seu artigo que li com muito interesse e que tem muita qualidade e ainda, fotos soberbas!...,nas quais aparece com muito bom aspeto e com esse seu maravilhoso sorriso!. É sempre muito agradável encontra-lo, mesmo que seja num blog. A Isabel manda beijinhos e receba um grande abraço do aluno e seu amigo,
António Pinho